Deitado eternamente em berço esplêndido.

Vivo num país onde a gambiarra chama-se geringonça. Onde a bandeira é vermelha. Onde um Governo Socialista está no Poder. Onde a orientação sexual está no Princípio da Igualdade defendido pela Carta Magna, que rege todas as outras leis abaixo dela. Onde, não contente com a garantia de direitos pessoais, cívicos, políticos, económicos e sociais, é ainda suportada, com uma redundância liberada pela regra, pela carta de direitos fundamentais do maior projeto de Paz e União de países ja conhecido pela história contemporânea . Vivo num país que o acaso, e somente ele, me agraciou numa mão com pai e com filho na outra.

Venho de um país jovem. Onde encontram-se povos de todo o mundo. Como uma colcha de retalhos daquela avó tão querida, numa casa que tem um reconfortante cheiro doce de bolo de fubá e aroma de café recém passado. Venho de um país onde os portos se abriram para que a tristeza da guerra que destruiu um continente pudesse ser transformada em alegria, música, dança, calor, abraço, afeto, futuro, amor.

Venho de um país onde em se plantando tudo dá. Talvez o problema esteja ai! Nesse solo rico, quando uma erva daninha nasce, os risonhos, lindos campos, perdem as flores. Em se plantando tudo dá! E quando essa nefasta erva se espalha, os bosques já não tem mais vida. Venho de um país que se diz ser o solo do nascimento de Deus – que não é onipresente e tem família [tradicional], endereço, templo, conta bancária e aceita débito ou crédito.

Vivo num país que está longe de ser perfeito, mas que acredita que o diálogo e a proteção das liberdades conquistadas valem mais do que armar uma população e criar um “cada um por si e Deus contra todos”. Vivo num país onde eu limpo a minha própria privada, vou para o trabalho no transporte público, abro minha marmita no banco da praça e ainda sento ao lado do chefe de estado, que come uma bifana – é como se fosse o frango do marmitex do país de onde eu venho.

Vivo num país que eu sempre me senti acolhido de certa maneira, talvez porque o país de onde eu venho me possibilitou, através do supracitado acaso, ter avós da terrinha quando, de peito aberto, disse: “não chore mais pelo Fado que tanto lhe magoou, aqui é samba, que tem tristeza, mas é feliz também.

Venho de um país que não sei se as barras na janela me protegiam ou me mantinham enclausurado. Vivo num país que o estranho atrás de mim só quer me alertar que o cadarço do meu calçado esta desamarrado e posso vir a cair. Venho de um país que o estranho atrás de mim jura por Deus com o sinal da cruz e tira-me a vida por não lhe entregar meu cadarço, calçado, telefone, a alma, tudo.

Venho de um país que nega tudo que o país em que vivo tem – bandeira vermelha, família de todo jeito, governo socialista – e diz que isso é a causa de todos os males. Eu, entretanto, sigo caminhando as 4h da manhã, numa rua deserta, mandando mensagem de sinceras de “eu te amo” pelo telefone que custou mil moedas – assim, sem medo nem olhando para trás.

Venho de um país em que o futuro não espelha mais grandezas. Que o raio vívido sai de uma arma e atinge o penhor da igualdade. E que o único brado retumbante é “mito”.

Venho de um país que não reconheço mais. Entre outros mil, foste tu. Aos filhos do teu solo, a mãe gentil foi assassinada.

Ó Pátria desamada. Brasil.